Ao longo de mais de um ano, a Polícia Civil gaúcha desvendou um emaranhado de estratégias usadas por golpistas para limpar contas bancárias sem terem as identidades descobertas. O trabalho culminou nesta quarta-feira (30) numa operação desencadeada em São Paulo, onde a investigação acredita que esteja parte da quadrilha especializada em aplicar o golpe do 0800 ou da falsa central telefônica.
Um grupo, suspeito de movimentar pelo menos R$ 4 milhões nesse período, é alvo da chamada Operação Linha Cruzada. São cumpridos, nesta manhã, na Grande São Paulo, 36 mandados de busca e apreensão, além de 11 de prisão — sendo dois mandados preventivos e nove de prisões temporárias. Os investigados são suspeitos de operar a falsa central e também de ter recebido os valores desviados pelos golpistas. Até 7h, havia oito pessoas presas na operação.
— Esses criminosos são residentes em São Paulo. As vítimas são do RS. Nós temos um dos investigados que é aquele que faz as ligações, que faz o papel do atendente bancário, e outros foram recebedores dos valores oriundos do golpe — explica a delegada Luciane Bertoletti, responsável por coordenar a operação.
Desvendar quem são os suspeitos por trás de uma chamada de telefone não foi tarefa fácil. A investigação teve início em Esteio, na Região Metropolitana, onde vítimas relataram ter sofrido o mesmo tipo de golpe. Acreditavam, inicialmente, estar falando com a central do próprio banco e, por fim, terminavam tendo as contas devastadas.
Os alvos dessa operação são suspeitos de envolvimento em pelo menos quatro ocorrências investigadas, nas quais as vítimas perderam somas entre R$ 50 mil e R$ 160 mil. Mas desde o fim do ano passado, a polícia monitorou pelo menos 70 casos do mesmo tipo de golpe na Região Metropolitana.
— É um golpe milionário. Nós percebemos uma movimentação vultuosa. Em uma das contas, foi movimentado, num período de três meses, quase R$ 1 milhão. O prejuízo a essas vítimas soma mais de R$ 4 milhões — diz a delegada.
Investigação
O ponto de partida da polícia foi o 0800 indicado pelas vítimas. O objetivo era conseguir interceptar essa linha, mas já no início os policiais encontraram uma dificuldade: o número era operado por centrais, digitais, que não permitem esse recurso por não usarem o sistema de telefonia móvel.
A partir do 0800, no entanto, a polícia descobriu a empresa que fornecia esse número para outras, que vendia pacotes de serviços de internet. Após ir atrás das empresas que realizaram a venda e de quem comprou, a investigação chegou numa empresa que não tinha nenhuma relação com tecnologia. Mais uma vez, sem avanços.
A polícia decidiu buscar o IP da rede de internet usada para aquela chamada 0800. Com o IP, solicitou informações para as operadoras de telefonia, buscando os nomes dos titulares das chamadas. Mas depararam com uma falha no sistema — além do IP, seria necessário que as empresas tivessem armazenado outro dado, chamado porta lógica, o que não é realizado em razão da alta demanda. Assim, esbarraram em listas imensas que não permitiam a identificação do usuário.
Ainda investigando o 0800, os policiais conseguiram descobrir apenas um telefone, de uma pessoa que seria vinculada à empresa que havia adquirido o número. Esse celular, que estava cadastrado com dados falsos, foi interceptado. Foi assim que descobriram que aquele telefone estava sendo usado por uma atendente da falsa central.
— Em várias situações, atende e diz ser de determinado banco. Fica bem claro que se passa pelas instituições — explica a delegada.
Numa das ligações, a mulher acabou usando o nome verdadeiro para agendar uma consulta médica. Foi assim que a polícia chegou aos primeiros dados concretos sobre ela. As interceptações permitiram chegar a outros nomes e descobrir informações sobre o grupo. Flagrou, por exemplo, ligações nas quais suspeitos de integrar o esquema afirmam que contam com auxílio de funcionários de dentro das instituições bancárias para desbloquear contas.
Nesta operação não há nenhum funcionário alvo de mandado, embora a polícia tenha encontrado indicativos de que essa prática, de obter informações privilegiadas, possa ser uma das estratégias dos golpistas.
Um dos desafios para identificar outros membros do grupo foi o fato de que as contas usadas para pulverizar os valores obtidos com os golpes são as mesmas que os estelionatários usam para obter cartões e gastar os valores.
— Esses golpistas não são iniciantes. Em nenhum momento colocam nome, CPF, titular em nome próprio. Não transferem dinheiro para contas próprias. Transferem para contas em CPFs de terceiros — explica um dos policiais envolvidos na operação.
A polícia usou uma estratégia, que foi rastrear o endereço de entrega desses cartões. A quebra de sigilo bancário permitiu chegar ao nome de quatro homens — todos moradores de rua, que seriam usados como laranjas, mas que tinham algo em comum: o mesmo endereço. Esses locais estão entre os alvos dos mandados de busca e apreensão.
Durante a apuração, os policiais viajaram até São Paulo, onde contaram com o auxílio dos agentes locais. A distância foi um dos fatores que tornou a investigação ainda mais complexa, segundo a delegada.
— Essa investigação tem diversos pontos que foram difíceis. A primeira delas é justamente a localidade de onde são praticados esses golpes. Todos os investigados são de São Paulo e as vítimas do RS. Já temos uma dificuldade nesse primeiro momento. E a própria complexidade, por ser um crime cibernético, praticado por telefone, que faz com que se possa praticar de qualquer lugar. Estamos há quase um ano a frente dessa investigação para poder chegar a esses investigados — diz a delegada.
Nesta semana, mais uma vez, oito agentes do RS rumaram novamente ao Estado paulista para participar da ofensiva desta quarta-feira. Os mandados começaram a ser cumpridos no início da manhã, com apoio da equipe da 5ª Delegacia Seccional de São Paulo, e estão em andamento.
Fonte: Polícia Civil e Febraban